sexta-feira, 25 de junho de 2010

O menino que tocou corações com seu violino



Exemplo de superação

Terezinha Saraiva*

Diego Frazão Torquato. Um menino pobre, de 12 anos, nascido e criado ao largo do crime, em Parada de Lucas.Como era muito negro, disse uma amiga da família, chegava a ter um tom azul fosco. E o apelido pegou.Todos o chamavam de Azul.

Ele era um dos meninos que participavam do programa social AfroReggae, que usa a música para atrair e envolver, sadiamente, crianças, adolescentes e jovens que vivem em comunidades cercadas de perigos, drogas, violências, tiros e medos.

Lá, Diego era feliz. Tinha autoestima elevada, embora sua vida não tenha sido fácil. Aos quatro anos, teve meningite, agravada por uma pneumonia. Salvou-se, embora com a memória meio embaçada pela doença que quase o levou, e por uma série de problemas de saúde que teve na infância.

Diego aprendeu a tocar violino com Evandro João da Silva, Coordenador Social da ONG. Azul passou a ser a estrela da Orquestra de Cordas do AfroReggae.

Quando Evandro foi covardemente assassinado, depois de um assalto, o Brasil ficou conhecendo Diego pela foto publicada no Jornal “ O Globo” , no dia da despedida de Evandro, tocando violino, enquanto grossas lágrimas rolavam pelo seu rosto. .

O fotógrafo conseguiu captar sua alma, no retrato que revelou a dor que o menino sentia pela morte brutal de seu professor, de seu amigo, que lhe ensinara a tocar violino.

Aquela foto comoveu o Brasil, não só por revelar uma alma boa, pura, sensível, mas por mostrar que mesmo com todas as adversidades, Diego tornara-se um artista, enveredara conscientemente no caminho do bem e acreditava num futuro melhor.

O impacto desse retrato foi tão grande, que Diego, o Azul, foi um dos três indicados para receber o Prêmio “Faz Diferença-2009”, concedido pelo Jornal “ O Globo”, na categoria Rio. Concorreu com o Secretário Estadual de Segurança do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, que venceu pela implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), em comunidades de risco, que passaram a viver em paz.

Mas Diego esteve presente, no palco do Teatro João Caetano, entrando timidamente de mãos dadas com o Maestro Minczuck, para entregar-lhe o Prêmio Estado do Rio de Janeiro, na categoria Música Clássica.

Esse doce e sentimental menino, que, sabia externar sua emoção de forma tão pura, deixando que grossas lágrimas molhassem seu rosto enquanto tocava violino, na despedida de seu professor, morreu no dia 1° de abril, de leucemia aguda.

Quem trabalha em projetos sociais, em comunidades marcadas por fatores de risco, que deixam adolescentes e jovens extremamente vulneráveis, conhece bem os perigos que rondam os jovens, e a força de vontade que eles precisam ter para não enveredar em caminho que pode parecer atrativo, mas que é um atalho para a desgraça ou para a morte violenta prematura.

As estatísticas mostram a verdade cruel. Jovens, na faixa etária dos 15 aos 24 anos, correm risco maior de integrar a legião de mortos por violência, isto é, por causas externas. E este risco aumenta se forem do sexo masculino e, mais ainda, se forem negros.

O Instituto Sangari divulgou, há dias, o Mapa da Violência, com base em dados do Ministério da Saúde. O Mapa mostra que jovens negros têm 130% mais de risco do que jovens brancos, da mesma idade. Revelou, também, que essa relação vem piorando. Em 2002, a relação era de 1,7 jovens negros vítimas de violência para cada jovem branco. Em 2007, essa relação subiu para 2,6.

São dados assustadores pelos percentuais e porque induzem à conclusão errada de que os negros são mais envolvidos com, e pela violência, do que os brancos.

Para quem conhece a realidade das comunidades com fatores de risco sabe que a vulnerabilidade é a mesma entre brancos e negros:Não escolhe a cor de pele.

Diego conseguiu viver em uma dessas comunidades, embora só até os 12 anos, sem se deixar contaminar pelos fatores de risco, porque tinha uma família estruturada, que zelava por ele; tinha amigos, sobretudo os que fez na família AfroReggae, porque encontrou na música, no violino, além dos ensinamentos recebidos dos educadores do AfroReggae, razão para viver, sonhar com o futuro que, lamentavelmente, lhe foi subtraído, e trilhou o caminho do bem.

Se vivesse mais, certamente não se envolveria nos perigos que cercam outros adolescentes e jovens. Certamente, seria um jovem e um adulto

responsável, sonhador, como a criança que foi. Quem sabe chegaria a ser um artista, como desejava.

O que fez Diego, o Azul, o menino pobre de Parada de Lucas, um dos violinistas da Orquestra de Cordas do AfroReggae tornar-se conhecido e admirado por milhões de brasileiros que, em sua grande maioria, não o conheciam pessoalmente, nunca ouviram sua voz, não o olharam nos olhos, não apertaram suas mãos, não o ouviram tocar violino, não conheciam seus sonhos de futuro?

Diego ficou conhecido e comoveu o Brasil por sua história de vida, por sua coragem de vencer adversidades, por ter crença no futuro que ele não imaginava tão curto, por ter alma sensível e por saber chorar, sincera e mansamente, ao perder um amigo, encontrando forças para tocar seu violino como última homenagem a seu professor.

A memória do povo é geralmente, curta, volátil. O tempo vai-se encarregando de cobrir os fatos, por mais dramáticos, com o manto do esquecimento; mas a fotografia de Diego, com o rosto triste molhado pelas lágrimas enquanto tocava seu violino, ficará marcada, por muito tempo, na lembrança dos brasileiros, como um grito mudo de alerta, um lamento pungente silencioso, uma convocação à sensibilidade que, parece, vem abandonado os adultos dos nossos tempos.

Diego será lembrado porque tocou corações, despertou sensibilidade e emoção,com seu violino e com suas lágrimas, que molharam o rosto negro de Azul.

Que pena que ele não tenha vivido mais para realizar seu sonho de ser um artista.

E foi, ao som de violinos tocados por seus companheiros, com muitas lágrimas sentidas, com a presença de mais de 300 pessoas, que o frágil corpo do forte Diego foi sepultado, no dia 2 de abril, no cemitério de Inhaúma.

O Coordenador do AfroReggae, José Junior disse, na ocasião, que Diego deixou um legado de esperança e que ele havia conseguido algo que até hoje ninguém conseguira: ser maior do que o AfroReggae.

Essas palavras e o sentimento de pesar de milhões de brasileiros embalarão o sono eterno de Diego- o menino violinista, de Parada de Lucas, que tomou de assalto, por sua sensibilidade, o coração dos brasileiros.

fonte: http://www.cra-rj.org.br

* Educadora

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